fevereiro 10, 2010

remix em pessoa

Sábado ao fim da tarde, chuva miudinha e Jô Soares a dizer Fernando Pessoa no Teatro Villaret. Sala cheia, bilhetes comprados com uma semana de antecedência para arranjar lugares bem à frente. Dezoito e quarenta, dez minutos atrasados, as luzes apagam-se e Jô Soares, qual poeta fingidor, encarna o menino de sua mãe ao volante do chevrolet pela estrada de Sintra. Delicio-me com as palavras ditas, tão bem ditas, com a tranquilidade e graça de quem conta um conto.

Estava a gostar tanto quando, no prazer imenso de não cumprir um dever, Jô Soares dá por finda a récita numa altura em que cri ser ainda cedo para intervalo. No meu espanto, o relógio marcava dezanove e vinte. Quarenta escassos minutos tinham passado.

A frustração foi superior ao prazer e saí da sala recordando uma frase do próprio Jô num programa qualquer do tempo em que eu via televisão sem ser por acaso e de raspão:

"Estão mexendo no meu bolso..."

fevereiro 08, 2010

uns meses depois

Apetece-me de novo a quietude da casa, passos só os meus, leves de quarto em quarto e o silêncio a escorregar devagar pelos vidros das janelas.

Apetece-me o gato enrolado no colo, dedos distraídos a remexer o pelo, as unhas do cão fazendo tictic no soalho embaraçando o tictac do relógio de parede que não tenho mas que podia perfeitamente ter, sem que isso me perturbasse a quietude da casa nem o silêncio a escorregar preguiçoso pelos vidros das janelas enquanto os meus passos vagueiam de quarto em quarto.

Apetece-me sentar no chão e abrir a gaveta mais baixa do armário onde guardo as fotografias velhas do tempo em que se faziam em papel, tirar de envelopes etiquetados rostos que me sorriem de há 30 anos atrás, eu a sorrir para mim há 20 anos, sem saber então que me olharia agora a procurar prenúncios de rugas nos cantinhos dos olhos e nas comissuras dos lábios.

Apetece-me a quietude da casa para finalmente me encontrar em mim, sem outros passos que não os meus, apenas o tictic das unhas do cão no soalho e o silêncio a escorregar de mansinho pelos vidros das janelas, enquanto o gato se enrola sobre os meus joelhos na esperança de uns dedos distraídos que lhe misturem o pelo antes de adormecer.

E antes de adormecer rever os barcos e o rio que os seduz na mansidão dos dias que correm sem que nada aconteça, ao som do silêncio que de tanto escorregar pelos vidros das janelas os quebra finalmente em mil pedaços de luz na noite que é só minha.

novembro 01, 2009

poeminha em s







solilóquios
sem sequência
solitários
sem sumo
sem substância
soluçando segredos
sussurrando silêncios
semeando solidões
sombras suaves
sempre


(ah pois... imagem roubada algures na net)

outubro 16, 2009

poeminha em a







anda amor
avança
alcança agora
afoito atinge
abraço aperto
arrepio aberto

abranda agora
amacia amando
alivia
adormece


(imagem roubada algures na net)

acordares

Como a casa acorda devagar, fios de luz pelas frestas das persianas deslizando no soalho, o gato que se espreguiça ao fundo da cama remiando baixinho, água a correr na casa de banho, passos leves no corredor, louças a tinir na cozinha, cheiro a café e a porta que se fecha sobre o silêncio que fica.

A casa a acordar devagar e eu a recusar o dia.

outubro 15, 2009

rotos copia



Eu passei um serão a imprimir e dois a digitalizar, que sou muito boa mãe e isto tinha de estar pronto na sexta-feira, dia em que também há exame de código. O nome dele aparecia no messenger com um "animation makes eye-pain", pois desenhar por cima dos fotogramas sobre uma mesa de luz, dá cabo dos olhos, acredito. Depois coloriu com aguarelas. O filme tinha de ter cerca de 5 segundos, foram 64 frames.

Ficámos rotos. E o filme ficou giro. Digo eu, que sou a mãe.

asas


depois do depois disso
isto apenas
o meu nome
na tua boca
sussurro
perto
tão perto
arrepio
sopro breve
abraço macio
asa leve
breve já

outubro 08, 2009

ainda do debate dos candidatos à cml

Dos senhores dos partidos pequenos, gostei do ar intelectual do do MEP. Registei que aquele que se foi embora disse que alguém "interviu" e o do PTP disse "póssamos" ou talvez "fáçamos", já não sei bem. Mas, como PSL também disse e repetiu "à última da hora", acho que estão bem uns para os outros.

Claro que, obviamente, tudo isto não tem a menor importância.

pesadelo

Esta noite sonhei que o PSL ganhava as eleições em Lisboa com uma diferença de 1%. Acordei a suar, antevendo Santanetes.

outubro 07, 2009

do debate dos candidatos à CML

Gostei, mas é que gostei mesmo, de ver o António Costa a chamar pelos devidos nomes a actuação vergonhosa daquele partido do homem da pêra e bigodinho que, na minha modesta opinião, não devia ter direito a existência legal num país democrático: "xenófobo", "racista" e "anti-constitucional"; isto a propósito de, para quem não viu, a CML ter retirado um out-door em que o tal de PNR apregoava: "não à imigração". É assim mesmo, ó Costa!

setembro 29, 2009

piss on shower

Recebi há pouco um e-mail que abria assim:

"ONG incentiva chichi no duche para poupar água. A SOS Mata Atlântica, uma organização não-governamental (ONG) brasileira, lançou uma campanha publicitária a incentivar as pessoas a fazerem chichi durante o duche para economizar água."

Primeira pergunta: mas há alguém que não faça? Pronto, não digo no balneário do ginásio, mas no conforto do duche do lar, há alguém que não faça?

Depois, no corpo do e-mail às tantas dizia-se:

"Só em São Paulo, exemplificam, poder-se-ia economizar mais de 1.500 litros de água por segundo."

Não sei como raio fazem estas contas... ora deixa cá ver, vamos lá pensar. Admitamos que uma descarga de autoclismo tem 10 litros. Agora pensemos que os Paulistas substituem um xixi na sanita por um xixi no banho por dia. A wikipédia diz que a região metropolitana de S. Paulo tem 19.223.897 habitantes. Se todos fizerem um xixi no banho diariamente, poupam 192.238.970 litros de água por dia em decargas de autoclismo. Como um dia tem 86.400 segundos, isto daria 2.225 litros por segundo de poupança. Bom, não está muito longe dos 1.500 se pensarmos que nem todos tomam banho diariamente.

Agora, se levarmos a coisa à letra e, de cada vez que quisermos fazer um xixi, tomarmos um duche? Para além de não ser prático, gasta-se muito mais água, não é? Ainda por cima, toda a gente já faz xixi no duche, acho eu. Contas feitas, continuarei a fazer o meu xixi no duche, mas não é por aí que me sentirei a contribuir para salvar o planeta.

setembro 27, 2009

descubra as diferenças

Voz de ordem dos meninos do PS - "é jota é ésse, é jota ésse"

Voz de ordem dos meninos do PSD - "é jota é dê, é jota ésse dê".

Isto, apesar de não querer dizer rigorosamente nada, apregoa o mesmíssimo nada.

O futuro adivinha-se tão cinzento ou mais ainda do que o presente.

setembro 26, 2009

a minha cruz

Há dias recebi esta tira da Mafalda no meu e-mail. Lembrava-me bem dela, como me lembro de quase todas, tantas foram as vezes que li, reli e releio as Mafaldinhas e os cartoons do Quino.

Quando recebi a tira ainda estava sem saber em quem votar. Como não ir às urnas está fora dos meus princípios e votar em branco me deixaria com a sensação de deixar para os outros uma decisão que acho dever também ser minha, se bem que o voto em branco me livrasse de futuros sentimentos de culpa, lá decidi em que quadradinho vou deixar a minha cruz (gosto deste duplo sentido de "a minha cruz").

Mesmo achando que o meu candidato não vai ganhar, isso não impede, porém, que me continue a sentir exactamente como o pai da Liberdade.

agosto 28, 2009

irra!!!!!!!!!!!!!!!

Gostava de saber quem foi o/a #$%&(&%$" de designer gráfico/a que pariu os "cartões de empresa" do instituto de registos e notariado e, já agora, quem é que foi com ele/a para a cama ou assim, para aprovar e pagar a sua criatividade bacoca com o dinheiro dos nossos impostos.

Há necessidade de, num cartão que tem as dimensõs de um vulgar cartão de crédito usar letrinhas tamanho meio milímetro e deixar mooooooooooooonntes de espaço sem nada? É que nem com a $#$&@€£ dos óculos no nariz consigo ler sem margem para dúvidas o meu número de contribuinte, caraças!

agosto 27, 2009

divines



Ontem reencontrei Fanny Ardant. Vinha para casa no carro, a Europa Lisboa a passar o "à quoi sert de vivre libre" e eu a lembrar-me de "huit femmes" e de como me tinha esquecido desta canção e de todas as outras do filme menos de "t'es plus dans le coup papa". Curiosa a memória musical.

Fanny Ardant deu-me vontade de Catherine Deneuve e



Catherine Deneuve de Isabelle Huppert, de forma que cheguei a casa e procurei os vídeos no tubo.

.

Divinas, todas elas, mas sobretudo estas três. Adoro este filme.

Já deixei o link da canção de Ludvine Sagnier lá em cima, os outros aqui: "mon amour, mon ami" por Virginie Ledoyen, "pour ne pas vivre seul" por Firmine Richard, pile ou face" por Emmanuelle Béart e "Il n'y a pas d'amour heureux" por Danielle Darrieux.

agosto 24, 2009

japspam

O meu blogue foi invadido por spams japoneses, o que me obrigou a activar a verificação de palavras, coisa com que embirro nos blogues dos outros porque me levam a escrever coisas tão ilegíveis como "whsbgfh" ou tão embaraçosas como "recocona" de cada vez que quero comentar alguma entrada.

Talvez assim deixem de aparecer aqui comentários como este "台灣這次受到洪水侵襲造成巨大災難,讓我們發揮愛心一起幫助這些需要幫助的人,現在你只要每點擊任何一個關鍵字連結,將會得到新台幣一元的贊助,讓我們一起共同創造世界和平~感謝您!", que me deixam hesitante entre o contente, o ofendida, o pensativa ou o inspirada e sem saber de todo o que responder.

E hoje fico-me por aqui, pois aconteceu aos parágrafos que aqui estavam a seguir o mesmo que tem acontecido a quase tudo o que tenho escrito, ou feito, ou pensado ultimamente: "delete". As simple as that.


E espero que me passe esta neura que me leva a vaguear em mim, apenas.

E agora que olho com mais atenção para os caracteres lá em cima, parece-me mais chinês, aliás os comentárias vinham de Taiwan. Bom, whatever, para o caso pouco interessa...

agosto 20, 2009

banho de lua



Em conversas de luas e luares, aconteceu-me ontem recordar este banho de lua de Celly Campello que estava perdido lá nos confins da memória da minha infância.

Esta música estava no top bem no início dos anos 60 e fazia parte da reduzida discografia do meu irmão, uma ou duas dúzias de discos de vinil dos pequenos, com duas músicas cada um, de forma que ele os ouvia vezes sem conta no pick-up lá de casa.

Anos mais tarde, quando eu própria comecei a interessar-me por música e a coscuvilhar os pertences do mano, encontrei o "banho de lua / estúpido cupido" de capa já gasta e coberta com o pó que ganham as coisas onde não se mexe por muito tempo.

Curiosa foi a reacção da minha mãe que, quando eu coloquei a agulha sobre o disco e a Celly Campello começou a tomar o seu banho de lua na sala de estar, teve um ataque de nervos e mandou-me parar com aquilo imediatamente. Obedeci, sem perceber o que tinha a minha mãe contra os primórdios do rock brasileiro, que a fazia ficar tão irritada.

E a razão era simples. Tal como algumas grávidas desenvolvem súbitos desejos de cerejas em pleno inverno, ou não suportam o cheiro das margaridas, outras, caso da minha mãe, ganham repulsa a músicas. Não conheço mais casos, mas a minha mãe é uma pessoa original. Ao que contam, o mano, então com 10 ou 11 anos, tomava banho de lua com a Celly umas dezenas de vezes por dia enquanto a minha mãe docemente me gerava no seu ventre, até ao ponto de a pobre senhora, outros 10 ou 11 anos passados, continuar a não suportar estes banhos.

Enfim, em mim não produziu o mesmo efeito e, quando alguma imposição maternal ia contra as minhas vontades, punha o banho de lua bem alto e fugia.

agosto 19, 2009

hoje ao jantar...

... a amiga com quem estava, procurando uma qualquer aplicação do seu telemóvel:

Às vezes pareço um homem... tenho as coisas à frente dos olhos e não as vejo!

É como eu. Cada vez tenho mais dificuldade em fazer várias coisas ao mesmo tempo, embora ainde me desembarace bem com 3.

Será que à medida que avançamos na idade vamos ficando mais masculinas?

agosto 17, 2009

hot hot hot

Não gosto deste calor a não ser que me materialize à beira d'água e me embeba na sua doçura fresca. Corpo a deslizar na água ou água que desliza no corpo, tão transparente e macia como a camisola do dia na canção.

Não gosto deste calor de ananases (vá-se lá saber por que se diz calor de ananases e não de bananas que são bem mais quentes, digo eu) que me faz a pele pegajosa, humidades e suores misturados com pós e coisas que andam pelo ar, a menos que possa estar como vim ao mundo espojada num lençol branco, lavado e bem esticado, com um pano molhado pendurado no vão da janela aberta e que a brisa liberte de frescura.

Não gosto deste calor a não ser à noite, se me passeio à beira-rio, escapando-me de todos os outros que se passeiam de noite à beira-rio porque não gostam deste calor e por ali sempre têm a ilusão de vagas brisas, mais largas ainda assim que as dos aparelhos de ar condicionado que se regulam para 18ºC e não fazem o termómetro baixar dos 24.

Não gosto deste calor que aquece como uma estufa o meu apartamento de último andar, apesar das vistas da varanda e das larguezas que lhe gabo.

Não gosto deste calor, a menos que o tenha num qualquer destino onde a vontade me leve e ele avive os cheiros a terra ventre parindo naturezas e cores e sabores que até aí me eram estranhos.

Não gosto deste calor, ainda que a minha alma me leve sempre para Sul os passos.

Não gosto deste calor aqui.

agosto 09, 2009

tv night



Hoje vimos "ponyo on the cliff by the sea" sentadinhos no sofá da sala. Chamem-me ignorante, se quiserem, mas a animação japonesa para mim era sempre o dragon ball que chupei até à medula quando o meu filho era pequeno. Por isso não vi "a viagem de chihiro" nem o "castelo andante", mesmo com toda a gente a dizer-me que eram bons.

Este ano, na praia, voltei a ouvir os meus amigos a gabarem Miyazaki e lá trouxe o ponyo gravado na pen, versão japonesa já com legendas em português e tudo, ripado de um sítio com o fantástico nome de "piratatuga" (nunca tirei filmes da net, nem músicas, mais fácil pedir a quem já o fez, por isso não conheço estes nomes deliciosos).

E pronto, gostei do Miyazaki. Alguém tem por aí os outros? Hum?

agosto 08, 2009

gato

Hoje acordei com os costumeiros miados do Sushi à porta do meu quarto. Desde que adoptei o Sushi e o Gato, em janeiro deste ano, depois da morte inesperada do Gaston, que sempre dormia sossegadamente aos pés da cama, passei a ter de fechar a porta para evitar acordar à 5 da manhã com as brincadeiras dos felinos que utilizavam a minha cama (e eu lá dentro) como campo de batalha. Fico assim tranquila durante a noite mas, pela manhã, o Sushi habituou-se a chamar-me com lamentosos miados do lado de fora da porta.

Pois levantei-me, enchi o prato dos gatos com ração e voltei para o aconchego dos lençóis; 8h30m de sábado, não é, para mim, hora de me pôr a bulir. Nove horas e tocam insistentemete à porta. Faço-me de surda, não vou abrir e amaldiçoo o mundo inteiro que não me deixa dormir. Cinco minutos depois toca o telemóvel sobre a mesa de cabeceira. Olho o mostrador e vejo o nome da porteira. Mau... Que se passa? Atendo e a voz do outro lado depois de cumprimetos e hesitações: "Tenho o seu gato morto no meu terraço". Merda, merda, merda. O Gato, o tigrado que, de tanto nome que teve, continuava a chamar-se apenas "Gato" caíu da varanda durante noite, provavelmente numa brincadeira mais desastrada com o irmão, e, infelizmente, falhou o toldo da porteira que lhe teria amparado a queda de 6 andares.

Durante 6 anos, o Gaston ensaiou equilíbrios e passos de dança sobre o varandim e nunca caíu. O Gato tinha 10 meses e era possuidor de uma das pelagens tigradas mais bonitas que já vi, para além de ser de uma meiguice avassaladora. O Sushi anda para aí a miar à procura do seu companheiro de brincadeiras. Já está no canil, onde o deixei há pouco dentro de um saco de plástico num carrinho de mão. Merda, merda, merda.

agosto 07, 2009

encontros e despedidas



Há um espaço que não cabe no tempo, onde nos encontramos. Onde não há o que foi, nem o que será, nem o que nos rodeia quando não estamos ali. Apenas eu e tu e o instante. Apenas aqui e agora, por vezes palavras, por vezes silêncios entre duas chávenas de chá e quadradinhos de chocolate preto. Apenas olhos que se penetram talvez pelo prazer do olhar, talvez a tentar adivinhar o que está para lá das negras pupilas.

Que te dizem os meus olhos? Eu olho, penso que nada e pergunto-me como será possível estar um olhar tão cheio de nada. Um nada cheio de tudo o que não me dizes e que me faz ter medo de que um dia se abra e o nada saia todo cá para fora e me soterre.

Música, palavras, silêncios, sossegos, a noite que entra livre pelas janelas e que chega para nos iluminar o instante, os corpos e as palavras. Resvalam os olhos dos olhos para a pele, as mãos, o corpo a pedir o encosto de outro corpo que no momento o complete. Carícias, afagos, beijos, dedos no arrepio da pele, corpos enrolados, risos, sorrisos, gritos e suspiros, subitamente o olhar que deixa escapar algo para além do nada que o enche.

Nunca sei se te volto a ver e no entanto… Eu também não sei. …e no entanto gosto tanto. Eu também. Palavras, silêncios, música, a noite a entrar livre pelas janelas, uma bolha parada no tempo e nós lá dentro no tempo em que nos encontramos. A bolha prestes a rebentar e por isso até breve, antes que o que foi e o que será se lembrem de vir preencher silêncios e sossegos, tomem conta de nós e nos façam perder o momento, o instante em que nos abrimos, em que nos fechámos, actores de nós próprios ou talvez não.

E partimos sós, cada um para o seu tempo e o seu espaço com aquele até breve que nos enche o corpo, as mãos e os sentidos. E se um leve sabor amargo me ameaça os lábios, passo por eles a língua até recuperar o doce.

Ficam bolhas que flutuam no espaço sem tempo e lá dentro imagens de nós presos em momentos.

agosto 05, 2009

operações de câmara

O meu filho teve uma cadeira na faculdade chamada "operações de câmara". O exercício proposto no final do ano consistia em fazer um pequeno filme baseado nesta cena de "il buono, il brutto, il cattivo" de Sergio Leone, em que a montagem de planos e o jogo de câmara são decisivos para a criação de suspense:



A realização do exercício coincidiu com uns dias que ele e os colegas de grupo passaram comigo nas férias, no Algarve. Depois de andarem a moer o juízo a meia praia, a transformarem-me a mim e aos meus amigos em actores de ocasião, regressaram a Lisboa 24 horas antes do prazo de entrega do trabalho, completamente descontentes com as cenas que tinham filmado. Numa noite e numa manhã, mudaram o argumento, voltaram a filmar e fizeram isto:



Eu acho que ficou mesmo bem!

agosto 04, 2009

brilhos sorrisos

Ah... como gosto
de brilhos nos olhos
e nos sorrisos
aos molhos

os brilhos
em risos sorrisos
fazem sorrir
e brilhar meus olhos

inspirado aqui

julho 20, 2009

palavras ouvidas na praia #2

Conversa entre dois adolescentes:

Gonçalo (13 anos) - Hoje passei-me com as miúdas, estavam sempre a pôr-me areia na toalha.
João Afonso (18 anos) - Vais ver que na vida terás sempre mulheres a pôr-te areia na toalha.

Gostei da metáfora.

julho 11, 2009

palavras ouvidas na praia

O vulcão está a diminuir
a qualquer momento pode explodir.

Alice, 6 anos, a propósito de uma pequena colina nas dunas, que está menor que no ano passado.


julho 10, 2009

o regresso aos mutantes


E tal como há a vontade sempre premente que me leva para destinos longínquos e desconhecidos, há o caminho repetidamente traçado que todos os anos me traz a esta língua de areia ao Sul que teimosamente resiste aos avanços do mar que se abre para lá dos sapais.

E sempre que volto é doce, mas tão forte como se uma primeira vez fora, este reencontro com o areal que se estende vazio e impoluto nos passeios solitários de fins de tarde e manhãs de sol rasante, em que mais não ouço do que o vento nas dunas, o rebentar macio das ondas, os pios das gaivotas e andorinhas do mar.

O mesmo areal que desliza suave sob os meus passos, as mesmas conchas e algas e peixes e pedrinhas, os mesmos golpes fininhos nos pés que, entre caranguejos pretos e caranguejos laranja, se afundam no lodo negro da ria quando teimo em ir descalça pela maré vaza ver os progressos das ostras da Clara, as mesmas bebidas ao pôr-do-sol generosamente servidas no bar da Vera, os amigos que são os amigos daqui e que estranho se o acaso nos cruza depois em roupas de Lisboa, os avanços das crianças que orgulhosamente exibem dentes novos e mais 10 cm que no ano anterior, a lua cheia que se reflecte num caminho dourado sobre o mar chão, as conversas à noite num qualquer terraço de uma qualquer casa sobre a praia à luz das velas e dos candeeiros a gás.

É assim regressar à ilha. Reencontrar o que parece que não muda mas muda, pois que as conchas e pedras e algas são no todo as mesmas, mas são outras enquanto unas, tal como as gaivotas, os peixes e as andorinhas do mar, ou a escultura que reune todos os lixos que o mar traz e que vai crescendo ao sabor de quem passa e lhe acrescenta mais uma garrafa, mais uma bota, mais uma troço de rede de pesca, mais uma cana.

E é isto que faz com que o repetido retorno tenha o sabor da tranquilidade de uma rotina, mas também o espanto da descoberta das coisas mutantes.

junho 30, 2009

dos dervixes em istambul


roda o dervixe
de saia rodada
roda a saia
redonda roda
brancas as voltas
da saia que roda
nas voltas do corpo
que roda (n)a saia
na dança redonda
de braços no ar
às voltas na dança
a rodopiar

junho 29, 2009

já só penso...

...que daqui por 4 dias vou de férias. Férias à séria. 3 semanas seguidas.

Sexta feira deixei 90 mails por ver. Ontem, Domingo, em duas horas de trabalho não remunerado, dei conta de 50 e deixei 40 para hoje. Quando cheguei hoje de manhã, tinha a caixa assim:

Não tarda grito.

desenhando no zoo

E de um sábado a desenhar no zoo sairam algumas coisas. Aqui.

de uma janela em Istambul




A Mesquita Azul entrava-me pela janela do quarto adentro sem qualquer cerimónia, de manhã em contra-luz, à tarde iluminada pelo pôr-do-sol e à noite abraçada por dezenas de gaivotas brilhantes que não lhe largavam os minaretes em eternos volteios e gritos.

À hora das rezas a Mesquita Azul entrava em diálogo com outra mesquita mais pequena que fica mesmo ali ao lado, junto a Santa Sofia, num dueto mágico de cânticos em vozes que dos altifalantes dos minaretes conduziam a oração dos fieis. Sei que deste dueto saiam versos do Corão, mas permiti-me imaginar que a conversa era outra, como se as duas mesquitas falassem sobre os afazeres do dia ou as agruras da vida.

Difícil esquecer duas mesquitas que conversam em Istambul.

mãe babada

Finalmente vou ter alguém que me ensine a fotografar.

O meu filhíssimo teve 20 num teste de fotografia na faculdade e 17 na cadeira.

Confesso que não seguro a baba. :-)

junho 23, 2009

é moda agora?

Ontem, numa reunião em que estavam mais três mulheres, verifiquei que todas tinham blusas com manguinha muito curta, em balão e elasticozinho, tapando só o ombro.

Acho pavoroso. Mas ando sempre tão desatenta às modas, que fiquei sem saber se seria um novo uniforme, uma graçola do acaso que juntou à minha frente três graciosas possuidoras de gosto duvidoso ou, pelo menos, não coincidente com o meu, ou moda mesmo...

Um dia destes olho para as montras com mais atenção.

junho 19, 2009

mar de mármora


para ti
o mar
todo o mar
mar de mar
mar amar
mar de mármora
mar de mármore
mar de amar-me
em ti amar
sem tardar
o mar

junho 17, 2009

de bizâncio com amor #2

Já vim e trouxe tudo.

Até um monte de Bósforo. Era fácil afinal. Não me sai do olhar, não me sai de dentro. Um monte de Bósforo.

junho 11, 2009

de bizâncio com amor

Para trazer deste meu fim-de-semana prolongado que se avizinha, de entre amigos e familiares tive os seguintes pedidos:

- uma ou duas camisas de algodão do Egipto sem colarinho
- lokums de rosa
- um livro sobre cerâmica medieval do médio oriente
- um monte de Bósforo

Não sei como me vou arranjar para trazer um monte de Bósforo.

de costas voltadas


O céu assim tão belamente aguado e tu de costas para mim, indiferente ao meu braço que já te foi esticado, indiferente às gaivotas que nos confundem com mastros de barcos, que verificam afinal a ausência de cheiro a peixe e se afastam de nós.

O céu assim tão fundamente sombra e luz e tu ignorando os meus volteios de bailarino tentando contrapesos e contrapontos de ti, numa dança maluca para cá e para lá na esperança que me sintas e me notes e me ouças os guinchos de metal sobre o piar das gaivotas.

O céu assim tão azulmente cinza e eu a mostrar-te o dorso, a desistir de encontros de braços esticados nos céus, a desistir de ti ostensivamente desatenta sem perceberes que se quisesses, eu podia rebentar uma nuvem só para ti.